DA INFORMAÇÃO À COMUNICAÇÃO:

A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM O VÍDEOTEXTO

Andrew Feenberg

 

Abstract

A teoria sociológica da  "era da informação" tinha prometido um instantâneo sucesso no desenvolvimento dos sistemas de vídeotexto público. Na realidade, a maior parte dos experimentos em vídeotexto falharam, apesar das fascinantes predições.  Somente o sistema Teletel francês conseguiu um sucesso de ampla escala e se desenvolveu em algo que, de forma alguma, estava previsto. Tal resultado deve-se às decisões e alterações realizadas no planejamento e no desenho do sistema, que abriram um importante espaço dentro do mesmo, permitindo que os próprios usuários fossem capazes de redirecioná-lo muito além de um simples distribuidor de informação, para um verdadeiro sistema de comunicação humana. Desta forma, não é foi por acidente que a única história de sucesso do vídeotexto desvia-se tão marcadamente das teorias da era da informação que tinham fornecido, até o momento, a sua  raison d'être . Agora, é momento de verificar mais atentamente a experiência francesa como sendo uma clara indicação do viés existente na concepção dominante da sociedade pós-industrial.

INFORMAÇÃO OU COMUNICAÇÃO ?

Nas décadas passadas, a chegada da chamada sociedade pós-industrial ou da era da informação foi amplamente anunciada por políticos e líderes do mundo dos negócios, que se julgavam capazes de concretizar a mesma (Bell, 1973). Percebe-se o valor de tais predições sobre o futuro através das diversas tentivas de concretizar as mesmas na vida real. Quando, como no caso do nosso estudo, tal concretização desvia-se completamente das primeiras concepções dos teóricos, acreditamos que  cuidadosas análises devem buscar identificar os viéses que evitaram que tal previsão se realizasse.

A idéia do pós-industrialismo é um projeção determinista do processo de informatização da sociedade. Os computadores, supostamente, estão criando uma nova forma de sociedade na qual o comércio de bens e serviços irá declinar em importância relativa, na medida em que o conhecimento torna-se o fundamento do sistema econômico. O gerenciamento das instituições sociais e dos indivíduos vai depender, cada vêz mais, do rápido acesso às informações e dados.

Para  dar conta desta crescente demanda por informação, a comunicação mediada pelo computador (CMC) iria adentrar em todos aspectos da vida diária e do trabalho. O vídeotexto seria a tecnologia do tipo CMC que estaria melhor adaptada para a rápida transferência de dados. Uma versão on-line de uma biblioteca poderia armazenar um volumoso número de “páginas” na memória de um computador hospedeiro, páginas estas que poderiam ser consultadas por usuários equipados somente com um terminal e um modem. O vídeotexto é "interativo" e, desta forma, também podria mediar transações comerciais, tais como uma compra qualquer a partir de uma consulta em um catálogo on-line. Embora desenhado inicialmente para fornecer aos usuários apenas o material armazenado no computador host, alguns sistemas também permitiam que um usuário tivesse acesso a outros usuários, através de e-mail eletrônico, chat e anúncios classificados. Isto foi considerado,  naquela época, uma das principais realizações  tecnológicas do sonho de uma sociedade pós-industrial.

A teoria da era da informação, desta maneira, deu origem a uma forte expectativa de um mercado promissor  para o vídeotexto. A experiência com o vídeotexto, por sua vez, serviu para testar, na prática, as principais hipóteses desta mesma teoria. As primeiras predições esperavam que a adoção do vídeotexto, pela maioria das pessoas, fosse rapidamente consolidada (Dordick, 1981). Nos fins dos anos 70, ministros das áreas das telecomunicações e presidentes de corporações sentiam-se totalmente confiantes para concretizar o futuro previsto, com os novos sistemas interativos. Mas hoje, uma década mais tarde, vê-se que a maioria destes experimentos não passaram de lamentáveis fracassos.

Este resultado pode ser devido, em parte, aos regulamentos antitruste que não permitiram que as grandes empresas americanas de telefonia e de informática  unissem suas tecnologias complementares no desenvolvimento de um sistema de larga escala de CMC, para o público em geral. O fracasso da FCC [1], em estabelecer um padrão para os terminais, agravou ainda mais a situação. Desta forma, não foi nenhuma surpresa que pequenas empresas de entretenimento e editoras, sem os recursos e o know-how das grandes empresas e com seus esforços não coordenados por alguma instituição oficial, fossem capazes de ter algum sucesso com o vídeotexto comercial (Branscomb, 1988).

Estes resultados desapontadores, na sua maior parte, foram também comprovados em outros experimentos com o vídeotexto realizados em outros países, com a exceção do sistema Teletel da França. Os ingleses, por exemplo, foram pioneiros com o vídeotexto com o Prestel, introduzido três anos antes que a França apresentasse o seu sistema. Irônicamente, a França apenas abraçou o sistema vídeotexto, em grande escala, em parte devido ao temor de ficar atrás da Inglaterra, no desenvolvimento e uso desta tecnologia[2].

O sistema Prestel tinha a vantagem de ter suporte do Estado, suporte este do qual  nenhum sistema americano podia se vangloriar. Mas também tinha uma desvantagem correspondente: sua excessiva centralização. De início, os hospedeiros remotos não podiam se conectar com o sistema e o crescimento em serviços foi limitado severamente. Além disso, o Prestel se baseava bastante no poder aquisitivo dos seus usuários, que precisam comprar um decodificador para seu aparelho de televisão – um equipamento caro e que colocava o custo vídeotexto em competição com o preço dos aparelhos de televisão com controle remoto e programáveis – a novidade da época. A base de usuários cresceu num rítmo de patética lentidão, alcançando apenas 76.000, nos primeiros cinco anos  (Charon, 1987: 103-106; Mayntz and Schneider, 1988: 278).

Como explicarei a seguir, a história do Teletel foi completamente diferente. Entre 1981,  data dos primeiros testes do sistema francês e o fim da década, o  Teletel tornou-se, de longe, o maior sistema mundial de vídeotexto público, com milhares de serviços, milhões de usuários e centenas de milhões de dólares em lucros. Hoje, o Teletel é o ponto mais notável dentro do quadro tão inexpressivo do vídeotexto comercial.

Até a chegada do Teletel, todas as aplicações da CMC, que obtiveram relativo sucesso, tinham sido organizadas por e para empresas privadas, universidades e entusiastas de  computadores. O grande público ainda tinha pouco ou nenhum acesso ao mercado proporcionado por estas redes e nenhuma necessidade de usar serviços especializados on-line, como pesquisa bibliográfica e acesso a transações bancárias. Esta situação era considerada normal. Após um breve período de entusiasmo pós-industrial pelo vídeotexto, a CMC, como um todo, passa a ser considerada adequada  apenas para o trabalho, mas não para o divertimento. Serve apenas para as necessidades profissionais mas não para o entretenimento e consumo (Ettema, 1989).

Mas como pode esta avaliação tão restrita e pessimista estar correta, se há pelo menos uma exceção, tal como a do caso francês, no qual a CMC  tem sido amplamente utilizada pelo público em geral ? Seria pelo fato de que os franceses são, de alguma forma, diferentes de todos os outros ? Esta explicação, bastante simplista, tornou-se cada vêz menos plausível na medida em que o sistema Sears/IBM Prodigy[3] cresceu para os seus atuais 900.000 usuários (em 1991). Embora a avaliação final deste sistema ainda não tenha sido realizada, o volume de usuários tende a confirmar a existência de um mercado para o vídeotexto residencial. Como, então, podemos dar conta do extraordinário sucesso do Teletel e quais são as implicações para a teoria da era da informação, que inspirou a sua criação ?

O Teletel é particularmente interessante pelo fato de que não utiliza nenhuma tecnologia que já não estivesse disponível em outros países, onde o vídeotexto foi testado e fracassou. Seu sucesso só pode ser explicado a partir da identificação das  invenções sociais  que fizeram o sistema francês tão diferente de todos outros sistemas, de forma que apenas o mesmo pudesse gerar um interesse público tão generalizado pela CMC. Observando-se mais de perto estas invenções, consegue-se verificar as diversas limitações não apenas nos experimentos anteriores com o vídeotexto mas, também, nas teorias a partir das quais, até o presente momento, a chamada era da informação tem sido definida (Feenberg, 1990).

Há, atualmente, um considerável corpo de literatura sobre o Teletel, baseado em pesquisas históricas e sociológicas. Baseei-me extensivamente nesta literatura e não pretendo oferecer nenhum dado novo, neste momento. O que eu pretendo fazer é direcionar aquilo que sabemos sobre o Teletel na tentativa de formar um quadro teórico visando o estudo do desenvolvimento tecnológico, na sociedade pós-industrial. Esta forma de abordagem é baseada, em alguns pontos, na mesma perspectiva que o construtivismo social tem sobre a tecnologia, que a experiência da Teletel demonstra muito claramente. Meu objetivo é mostrar os diversos conflitos no seio do projeto do pós-industrialismo.

A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA MÍDIA

Embora o  Teletel, de forma geral, tenha incorporado as descobertas e experiências realizadas por outros sistemas de vídeotexto públicos na sua organização, em muitos pontos ele é peculiarmente francês. Grande parte do que é único no Teletel tem sua origem na confluência de três forças: 1) a política francesa específica de modernização; 2) a ideologia burocrática voluntarista do serviço público nacional e, 3) uma forte cultura política de oposição. Cada um destes fatores contribuiram com seus elementos para um resultado que, a princípio, não tinha sido destinado a atender nenhuma necessidade de um determinado  grupo da sociedade francesa. Juntos, abriram o espaço de experimentação social que tornou o Teletel possível.

Modernização

O conceito de modernidade, na França, é um objeto de preocupação pública de forma difícilmente imaginável nos Estados Unidos. Os americanos experienciam a modernidade como sendo sua propriedade exclusiva. Os Estados Unidos não aspiram a modernidade: eles definem o que é modernidade. Por esta razão, os Estados Unidos não consideram a sua própria modernização como um fato político, mas deixam para a indústria, comércio e  consumidores a elaboração do seu futuro, onde o próprio caos do acaso é o pressuposto da criatividade.

Na França, por outro lado, há uma longa tradição de preocupações teóricas e políticas relacionadas com a questão da modernidade. No início, encarando como sendo um desafio externo, a França tinha buscado se adaptar ao mundo moderno do qual, em certa medida, sempre tem participado, seguindo os passos da Inglaterra e, mais tarde, da Alemanha e do próprio Estados Unidos. Este é o espírito do famoso relatório Nora-Minc, para o  qual o presidente Giscard d'Estaing comissionou dois altos funcionários públicos para definirem os meios e objetivos de uma política vigorosa de modernização da sociedade francesa, nos últimos anos do século (Nora e Minc, 1978).

Nora e Minc propuseram uma ofensiva tecnológica em  "telemática", termo que criaram para descrever o casamento entre a informática e comunicação. A revolução telemática, argumentavam, iria mudar a existência das sociedades modernas tão radicalmente como mudou a revolução industrial. Mas, acrescentaram: a 'telemática', diferentemente da eletricidade, não transporta uma corrente inerte mas, muito pelo contrário, informação, o que quer dizer, poder (11). O domínio da rede é, desta forma, um objetivo fundamental. Isto requer que o seu quadro estrutural seja concebido a partir do espírito de um serviço público (67). Em resumo, a questão do desenvolvimento pós-industrial é muito importante para ser deixado apenas para homens de negócio e deve, necessariamente, tornar-se uma questão política.

Nora e Minc chamavam a  atenção da necessidade de se ganhar a aceitação pública para a revolução telemática e obter sucesso na nova divisão internacional do trabalho tendo como alvo os mercados telemáticos emergentes (41-42). Argumentavam que um serviço de vídeotexto nacional poderia desempenhar um papel central para o alcance de tais objetivos. Este serviço iria sensibilizar o ainda hesitante público francês para as maravilhas da era da informática e criando, ao mesmo tempo, um imenso mercado protegido para terminais de computadores. Alavancando o mercado interno a França iria, finalmente, se tornar uma líder nas exportações de terminais e assim se beneficiar da expectativa de reestruturação da economia internacional, ao lugar de tornar-se vítima da mesma (94-95). Estas concepções influenciaram o projeto do Teletel o qual, desde o seu início, tinha um distinto toque estatal, enquanto uma mistura peculiar de propaganda e política industrial.

Voluntarismo        

A partir desta base ideológica, era mais do que natural que o governo francês voltasse para o serviço público civil para implementer sua estratégia de modernização. Esta escolha, que pode parecer estranha para os americanos, que sempre mostraram um certo desprezo pela alegada ineficácia da burocracia estatal, tem bastante sentido na França, onde a área de negócios possue uma imagem muito mais negativa do que a do próprio governo.

Quando, ao lugar das corporações, é a burocracia estatal que assume a liderança da modernização, o esprit de corps do serviço público deixa a sua marca nos resultados finais. Na França, isto não é visto com sendo um dado negativo. Os burocratas franceses consideram o seu país como sendo uma unidade sócio-econômica caracterizada por uma prestação uniforme de serviços como os correios, telefone, rodovias, escolas etc. A prestação de tais serviços é uma missão moral fundamentada a partir dos ideais republicanos de igualdade e independência nacionais. Os franceses chamam esta abordagem burocrática de “voluntarística” pelo fato de que, para melhor ou pior, a mesma não leva em conta as situações locais e as limitações econômicas, dentro da perspectiva de servir o interesse público universal.

Deve-se levar em conta este sentido voluntarístico da missão para compreender como a companhia telefonica francesa, encarregada de implantar o sistema  Teletel,  pode ter desenvolvido e implementado um serviço de vídeotexto nacional, sem a preocupação e a atenção que uma empresa comum daria aos desejos de determinados usuários e à possibilidade de operações lucrativas. De fato, o sistema Teletel era muito mais um elo em  uma cadeia de identidade nacional, do que um serviço comercial ou para consumidores. Como tal, tinha a pretensão de alcançar todas as moradias francesas a partir da perspectiva de ser parte de uma infraestrutura de unidade nacional, assim como eram o sistema telefônico e correios (Nora and Minc, 1978: 82).

Esta concepção do Teletel foi implementada através da distribuição de milhões de terminais gratuitos chamados de "Minitels." Era esperado que, no fim, todos usuários do sistema telefônico estariam equipados com estes terminais. A França, tendo um dos sistemas telefônicos atrasados, iria dar um imenso avanço na sua posição de país industrialmente desenvolvido, se remetendo  diretamente para a tecnologia do próximo século.

Embora as primeiras propagandas do Minitel fossem dirigidas principalmente para regiões e locais mais prósperos, qualquer indivíduo poderia solicitar um Minitel,  sem que fosse levado em conta distinções sociais e econômicas. O pretexto para esta generosidade, sem precedentes, foi a criação de um guia nacional do serviço telefônico no formato eletrônico e acessível apenas pelo Minitel mas, de fato, o ponto principal desta operação foi simplesmente conseguir colocar um grande número de terminais nas mãos dos usuários do serviço telefônico (Marchand, 1987: 32-34). A distribuição gratuita de terminais antecedeu o desenvolvimento de um mercado de serviços, o qual supostamente iria ocorrer. Assim como o surgimento de serviços de restaurantes, oficinas etc. seguiu à implantação de rodovias, esperava-se que o desenvolvimento dos negócios, na área da telemática, seguiria à distribuição dos Minitels.

Os primeiros 4.000 Minitels foram entregues em 1981 (Marchand, 1987: 37); dez anos mais tarde, mais de 5.000.000 tinham sido distribuidos. A velocidade e a escala deste processo são verdadeiros indicadores do sucesso do lado econômico popular da grande aventura telemática. Sob o ambicioso programa de modernização implementado por Gerard Théry, chefe da “Direction Générale des Télécommunications”, a PTT[4] tinha se tornado a líder isolada em demandas da indústria francesa. O ousado plano telemático foi desenhado para incentivar a negligível produção telefônica francesa e evitar, com a expansão da produção, a rápida  saturação do mercado no futuro e o conseqüente  colapso de um grande setor industrial.

Oposição

Como foi originalmente concebido, o Teletel foi desenhado para conduzir a França à  "era da informação",  através do fornecimento de uma ampla variedade de serviços de informação. No entanto, o que toda residência precisa são mais informações (Iwaasa, 1985: 49)? E quem seria qualificado para oferecer serviços de informação em uma democracia (Marchand, 1987: 40ff)? Tais questões receberam uma grande variedade de respostas conflituosas, nos primeiros anos do vídeotexto francês.

O processo de modernização, através de um serviço público nacional, define o programa de um Estado altamente centralizado e controlador. Para tornar as coisas piores, o projeto do Teletel foi iniciado por um governo de direita. Estas características, de início, deram origem a uma generalizada desconfiança  do vídeotexto e despertou a bem conhecida irritabilidade de importantes setores da opinião pública francesa. O familiar padrão de um controle central e consequente “resistência” popular foi mais uma vêz repetido com o Teletel,  um programa que tinha caido de “paraquedas” sobre um público totalmente desavisado, mas que  logo foi transformado por este mesmo público e recebeu um direcionamento cujos planejadores e responsáveis jamais tinham imaginado.

A imprensa liderou a luta contra o controle governamental do serviço de informações do vídeotexto. Temendo ter a  renda de propaganda reduzida e perder a sua própria independência, proprietários e editores reagiram negativamente às declarações de Gerard Théry (em Dallas, entre outro lugares) relativas ao advento da  sociedade eletrônica. Um irritado editor chegou a escrever : " Aquele que tem o domínio do telégrafo é poderoso. Aquele que tem o domínio do telégrafo e do cinema é muito mais poderoso. Aquele que, um dia, tiver o domínio do telégrafo, do cinema e do computador possuirá o poder de Deus, o Próprio Pai" (Marchand, 1987: 42).

A imprensa triunfou com a ascensão do governo socialista, em 1981. Para evitar que houvesse interferência política estatal com o “conteúdo” que estava disponível on-line, a companhia telefônica teve a permissão para apenas oferecer uma única versão eletrônica do guia  telefônico. As portas do Teletel estavam amplamente abertas pelos padrões da época: qualquer pessoa com uma licença de editor, emitida pelo governo, poderia conectar um host ao sistema. Mesmo esta restrição foi abandonada, em 1986. Hoje, qualquer pessoa com um computador pode se conectar ao mesmo, registrar um número telefônico no guia do Teletel e receber uma participação na renda que o serviço gera para a companhia telefônica.

Pelo fato de que pequenos computadores hospedeiros são praticamente inexpensivos e o conhecimento do vídeotexto era muito precário, tanto em pequenas como em grandes empresas, estas decisões tiveram, no início, um efeito altamente descentralizador.O Teletel tornou-se um vasto espaço desorganizado de experimentação, uma espécie de “mercado livre” de serviços on-line, aproximando-se muito mais ao ideal liberal do que aos muitos mercados de comunicação existentes nas sociedades capitalistas contemporâneas.

Comunicação

Surpreendentemente, os usuários de telefone, embora agora equipados para a era da informação, fizeram relativamente pouco uso da riqueza de dados disponíveis no Teletel. Consultavam o guia eletrônico regularmente, mas nada além disto. Em seu lugar, os usuários que tinham maior assiduidade se apossaram de uma obscura funcionalidade do sistema: a possibilidade de comunicação simultânea de indivíduo para indivíduo. Em 1982, alguns hackers tinham transformado as instalações de suporte técnico de um serviço de informações chamado Grétel, no primeiro e mais importante serviço de mensagens (Bruhat, 1984: 54-55). Após oferecer uma frágil (talvez fingida) resistência, os operadores deste serviço institucionalizaram a invenção dos hackers e fizeram fortuna. Outros serviços rapidamente surgiram, com nomes como "Désiropolis," "La Voix du Parano," "SM," "Sextel." O sistema de mensagens "Pink" tornou-se famoso pelas picantes conversações que se davam entre os usuários através do uso de pseudônimos e no qual os mesmos  procuravam por indivíduos com o mesmo tipos des pensamentos, gostos etc. , para conversas ou futuro encontros.

No verão de 1985, o volume de tráfico na rede[5] excedeu suas capacidades técnicas e o sistema entrou em colapso. A Transpac[6], a campeã francesa da high tech, caiu de joelhos por causa centenas de milhares de usuários que a todo momento trocavam de um serviço de mensagens para outro, em busca de entretenimento . Finalmente, quando os bancos e agências governamentais foram simplesmente colocados off-line, ficou claramente patenteada a ausência de obrigações e regras no novo sistema telemático (Marchand, 1987: 132-134). Embora apenas uma minoria de usuários estivesse envolvida, em 1987,  40% das horas de tráfego doméstico era utilizado em troca de mensagens (Chabrol and Perin, 1989: 7).

Os planos originais para o Teletel não excluiam completamente a comunicação humana, mas com toda certeza eles subestimaram a sua importância em relação aos dados bancários, transações on-line e mesmo videogames (Marchand, 1987: 136). A possibilidade de troca de mensagens é dificilmente mencionada nos primeiros documentos oficiais sobre a  telemática (E.g., Pigeat, et. al, 1979.). Na primeira experiência com o Teletel, em Vélizy[7], foi demonstrado um grande entusiasmo pelo sistema comunicação, que não estava previsto. Concebido originalmente como um mecanismo ligando os usuários com a equipe do projeto, em Vélizy, o sistema de troca de mensagens foi logo transformado em um espaço geral para livre discussão (Charon and Cherky, 1983: 81-92; Marchand, 1987: 72). Uma vez que a comunicação tornou-se a maior funcionalidade do sistema, a sua definição social foi radicalmente transformada. A partir da  imagem original de uma mída “fria”, baseada quase completamente em transações impessoais entre usuários e máquinas, o Teletel evoluiu  na direção de uma nova imagem, uma imagem “quente” baseada na comunicação com outros seres humanos.

Pequenas empresas de telemática refizeram o Teletel,  tornando-o em um instrumento dedicado à comunicação humana. Desenharam programas capazes de gerenciar um grande número de usuários enviando mensagens simultâneamente, ao lugar de simplesmente estar recebendo informações e também criaram um novo tipo de interface. Ao entrar nestes sistemas, os usuários eram imediatamente perguntados para criarem um pseudônimo e prencher um  "curriculum vitae." Depois, eram convidados para verificar os “currículos” daqueles que já estavam on-line, para identificarem possíveis parceiros verificando os  tipos de gostos, opiniões, pensamentoss etc. Os novos programas empregavam as possibilidades gráficas do Teletel  para abrir janelas que possibilitassem conversas com vários usuários, ao mesmo tempo. Este foi o ponto culminante alcançado pela criatividade despertada pela telemática, na França, ao contrário do simples preenchimeneto de obscuros desafios tecnológicos, tal como assegurar a influência francesa na definição do emergente mercado internacional de base de dados, objetivo tão desejado pelos burocratas governamentais (Nora and Minc, 1978: 72).

O sistema de mensagem "Pink" pode parecer, à primeira vista,  um resultado apenas trivial de todo um período de especulação sobre a era da informação, mas também pode ser considerado de forma mais positiva. Muito mais importante, o sucesso do sistema de mensagens modificou as conotações que eram geralmente aceitas sobre a telemática, distanciando-as da informação e aproximando-as da comunicação. Isto, por sua vêz, encorajou indivíduos e empresas a fornecerem  recursos para  uma ampla variedade de experimentos com a telemática em assuntos tais como educação, saúde, novidades etc. (Marchand, 1987; Bidou, et. al., 1988). Eis alguns exemplos:

* Programas de televisão que anunciavam os serviços disponíveis no Teletel. Neles os telespectadores podiam obter informação adicional ou  troca de opiniões, adicionando um elemento de interatividade a um sistema de emissão de via única;

* Políticos se engajavam em diálogo com eleitores através do Teletel e movimentos políticos abriam serviços de mensagens para se comunicar com seus membros;

* Experimentos em educação reuniram estudantes e professores para aulas eletrônicas e monitoramento, como na Faculté de Médicine de Paris;

* Um serviço psicológico que oferecia oportunidade para discutir problemas pessoais e dar aconselhamento.

Talvez o mais interessante experimento relacionado a novas formas sociais ocorreu em 1986, quando uma importante greve nacional de estudantes foi coordenada através do serviços de mensagens do jornal Libération. O serviço oferecia informação sobre debates e ações,  grurpos de discussão on-line, notícias atualizadas a cada hora e um jogo que satirizava o Ministro da Educação. Rapidamente recebeu 3.000 mensagens de todo país (Marchand, 1987: 155-158).

Estas aplicações têm um ponto em comum relativo à natureza da nova mídia. Ao lugar de imitar o telefone ou documentos escritos, as mesmas deram suporte  à capacidade única da telemática de mediar comunicações extremamente pessoais e anônimas, criando surpreendentes novas formas de sociabilidade. Estes experimentos são precursores de uma organização muito diferente da chamada esfera pública nas sociedades avançadas (Feenberg, 1989a: 271-275). A natureza destas mudanças é discutida nas seções finais deste capítulo. (Para estudos sociológicos mais recentes sobre sistemas de mensagens, vêr Jouet and Flichy, 1991.)

O Sistema

Embora ninguém tivesse planejado antecipadamente com todos os seus elementos, no final, um sistema coerente surgiu a partir da ação de diversas forças. Na verdade, composto de elementos rotineiros, formou um único todo que, finalmente, quebrou as barreiras para o uso da tecnologia da CMC pelo público em geral. O sistema Teletel é caracterizado por cinco princípios básicos:

1. Escala. Apenas um governo ou uma grande corporação possuem os recursos necessários para iniciar um experimento, tal qual o Teletel, em uma escala suficiente capaz de assegurar um teste confiável do sistema. Sem um adequado volume de investimento inicial em estrutura de transmissão e terminais, não há formas para se escapar do dilema da galinha e do ovo do vídeotexto. Não é possível criar um mercado de serviços sem usuários e não se pode criar atrair usuários, sem este mesmo mercado de serviços. A solução, demonstrada na França, foi criar, em um momento inicial, um mercado suficientemente amplo de novos e ocasionais usuários para justificar a existência de serviços variados os quais, por sua vez, seriam capazes de trazer de volta estes mesmos usuários, em busca de mais serviços.

2. Gratuidade. Talvez a única e mais revolucionária característica do sistema tenha sido a distribuição gratuita de terminais. A rede e os terminais formam um único conjunto, em contraste com qualquer outro sistema nacional de rede de computadores. É como se fosse construído um sistema de rodovias, com pedágios,  com a idéia de se alugar automóveis para os usuários, na expectativa de que os mesmos iriam fazer uso suficiente do sistema para que este pagasse os seus próprios custos. A gratuidade foi imposta a partir de decisões corretas referentes à qualidade dos terminais: durabilidade e capacidades gráficas relativamente simples. Também asssegurou aos provedores de serviço, desde os momentos iniciais, condições para que os mesmos desenvolvessem seu próprio trabalho, muito antes que o público tivesse mostrado interesse em um sistema não conhecido e investido em custosos terminais ou subscrições.

3. Padronização. O monopólio do serviço telefônico francês, pelo Estado, e a distribuição gratuita dos terminais Minitel asseguraram uniformidade em várias áreas vitais. Os equipamentos e procedimentos de  assinatura ao sistema foram padronizados e o serviço foi oferecido a partir de um único número telefônico nacional, a um mesmo preço, independentemente da local. (Atualmente foi colocada em prática um estrutura de preços ligeiramente mais complexa) A empresa telefônica empregou seus sistema de cobrança para arrecadar todos os custos das conexões on-line, partilhando os resultados com os provedores de serviços.

4. Liberalismo. A decisão de facilitar que os computadores hospedeiros se conectassem à rede deve ter ido contra a profunda e enraizada tendência da companhia telefonica de controlar qualquer aspecto do seu sistema técnico.  No entanto, uma vez que esta decisão foi tomada, ela abriu as portas de um extraordinário florescimento de criatividade social. Embora o Minitel tivesse sido desenhado, de início, para acesso a informação, também pode ser usado para muito outros propósitos, incluindo transações comerciais e troca de mensagens. O sucesso do sistema é devido, em grande parte, ao casamento do mercado livre na área de serviços com a flexibilidade do terminal.

5. Identidade. O sistema adquiriu uma determinada imagem pública através da sua identificação com um projeto de modernização e através da massiva distribuição dos seus típicos terminais. A emissão de um guia telefônico especial do Teletel, a emergência do estilo gráfico associado com o padrão alfamosaico[8],  a adoção de telas típicas de vídeotexto, ao lugar telas que rolam e o fenômeno social dos serviços de  mensagens "pink"  contribuiram para a formatação de uma imagem telemática única.

O CONFLITO DE CÓDIGOS

Esta interpretação do sistema  Teletel desafia a teoria determinista do desenvolvimento tecnológico, do qual supunha dar conta. A lógica da tecnologia não consegue dar uma clara solução para a questão da modernização; ao lugar disto, um confuso processo de conflitos, negociação e inovação  produziu  um resultado que é, obviamente, contingente de fatores sociais. Quais são estes fatores e como tiveram influência no desenvolvimento da  CMC, na França ?

Construtivismo social

Diferentemente do determinismo, o construtivismo social argumenta que as características técnicas de um determinado artefato não explicam, por si, o seu sucesso. De acordo com o “princípio de simetria", há sempre outras alternativas que poderiam ter sido desenvolvidas ao lugar de uma única, que obteve sucesso. O que diferencia um artefato de outro é o seu relacionamento com o meio social e não alguma propriedade intrínsica que o mesmo possui, tal como "eficiência" ou  "eficácia”

Como nós vimos no caso do vídeotexto, tal relacionamento é negociado entre inventores, servidores civis, homens de negócio, consumidores e muitos outros grupos em um processo que, em última instância,  determina a definição de um produto específico adaptado para uma demanda socialmente reconhecida. Este processo é chamado "fechamento"; ele produz uma "caixa preta" estável, um produto que é considerado como um todo completo. Enquanto o processo de fechamento está em andamento, seu caráter social é evidente mas, quando verificamos retrospectivamente a sua última etapa de desenvolvimento, este mesmo artefato aparenta ser um objeto puramente técnico e até mesmo inevitável. Habitualmente, a   ambigüidade original da situação na qual a “caixa preta” foi fechada, é esquecida (Latour, 1987: 2-15).

Pinch e Bijker ilustram esta abordagem com o exemplo dos momentos iniciais da evolução da bicicleta. No fim do século 19, antes que a atual forma da bicicleta tenha sido fixada, o seu desenho incial seguiu diferentes direções. Alguns usuários visualizavam a bicicleta como sendo um instrumento para a prática de competição esportiva, enquanto que outros viam a mesma a partir de um interesse essencialmente utilitário, como um meio de transporte. Os desenhos, que correspondiam à primeira definição, tinham as rodas dianteiras bastante altas, que foram rejeitadas como inseguras, pelos usuários do segundo tipo. Estes deram preferência aos desenhos de bicicletas com duas rodas baixas e de igual tamanho. Por fim, o desenho com rodas baixas acabou prevalecendo e toda história posterior da bicleta, até os dias atuais, tem sua origem a partir desta linha de desenvolvimento técnico. A tecnologia não é fator determinante, neste exemplo – ao contrário, as “diferentes interpretações a partir de grupos sociais sobre a estrutura dos artefatos direcionaram, através de diferentes cadeias de problemas e soluções, para diferentes desenvolvimentos posteriores" (Pinch and Bijker, 1984: 423).

Esta abordagem tem várias implicações para o vídeotexto:

Em primeiro lugar, o desenho de um sistema como o Teletel não é determinado a partir de um critério geral - tal como “eficiência”, mas por um processo social que diferencia alternativas técnicas, de acordo com uma variedade de critérios de casos específicos;

Em segundo lugar, este processo social não se refere à aplicação de uma predefinida tecnologia de vídeotexto, mas se relaciona à verdadeira definição sobre o que é o vídeotexto e os problemas para os quais está direcionado;

Em terceiro lugar, definições que se rivalizam refletem visões sociais conflitantes sobre a sociedade moderna, que se concretizam em escolhas técnicamente diferentes.

Estes três pontos mostram a necessidade de que seja aplicado, para o estudo da  tecnologia, os mesmos métodos que são empregados pela história e sociologia no estudo de instituições sociais, costumes, crenças e arte. O primeiro ponto amplia o limite das investigações de interesses comuns e conflitos para também incluir questões referentes à tecnologia, as quais, de forma geral, tem sido consideradas como objeto de consenso único. Os outros dois pontos implicam que os significados entram na história como forças efetivas, não apenas no domínio da produção cultural e da ação política mas, também, na esfera técnica. Para se falar a respeito da percepção social ou definição da tecnologia é necessário uma hermenêutica dos objetos técnicos. Os métodos interpretativos que são usualmente aplicados à arte, desenho e mito devem, desta forma, ser extendidos também para a tecnologia.

As tecnologias são objetos com significados. A partir do nosso dia-a- dia , do nosso ponto de vista de senso comum, dois tipos de significados se relacionam a estes objetos. Em primeiro lugar, eles têm uma função e, para a maioria dos objetivos, o significado  é idêntico a esta função. No entanto, também reconhecemos, nesses objetos, uma penumbra de  "conotações" que associa objetos técnicos com outros aspectos da vida social, independentemente da sua função (Baudrillard, 1968: 16-17). Desta forma, os automóveis são meios de transporte mas também podem significar que o proprietário é mais ou menos respeitável, rico, sexy etc.

No caso de tecnologias já longamente estabelecidas, a distinção entre função e conotação é geralmente clara. Há uma certa tendência em projetar esta clareza em direção ao passado e imaginar que a função técnica precedeu o objeto e foi a única responsável pela sua origem. No entanto, do ponto de vista  programático do construtivismo social é argumentado que, muito ao contrário, as funções técnicas não são dadas antecipadamente, mas descobertas durante o curso de desenvolvimento e uso do objeto. Gradualmente, estas funções técnicas vão sendo negociadas pela evolução do meio social e técnico como, por exemplo, as funções de tranporte do automóvel, que tornaram possível o surgimento de projetos urbanos de baixa densidade habitacional os quais, por sua vêz, vão dar origem a uma demanda que será satisfeita pelos próprios automóveis.

No caso das novas tecnologias não há, de forma geral, uma clara definição da sua função inicial. Conseqëntemente, não há uma clara distinção entre diferentes tipos de significados associados com a tecnologia: já no caso da  bicicleta construída para ser veloz e da bicicleta construída para ser segura, ambas são funcionalmente e conotativamente diferentes. De fato, as conotações de um desenho podem ser simplesmente funções vistas a partir do ângulo de um outro indivíduo. Estas ambigüidades não são meramente conceituais uma vez que o dispositivo ainda não está “fechado” e nenhum arranjo institucional vincula o mesmo, de forma decisiva, a alguma das suas várias possíveis funções. Ao contrário, as ambigüidades na definição das novas tecnologias devem ser resolvidas através de interações entre os projetistas, compradores e usuários quando, então, o significado das mesmas será finalmente estabelecido.

O fechamento tecnológico é finalmente consolidado no que eu chamarei “código técnico”. Códigos técnicos definem o objeto em termos estritamente técnicos, em conformidade com o significado social que o mesmo adquiriu. Para bicicletas isto foi  alcançado nos anos 1890. Uma bicicleta segura para transporte poderia ser apenas produzida se estivesse em conformidade com um código que determinava um assento posionado logo atrás de uma roda dianteira pequena. Quando os consumidores encontravam uma bicicleta produzida de acôrdo com este código, imediatamente reconheciam qual era a finalidade da mesma: “segurança”, na terminologia atual. Esta definição, por sua vêz, foi relacionada à mulheres e a ciclistas idosos -  passeios e idas ao mercado local e assim por diante, descartando associações com jovens esportistas em busca de emoções.

Os códigos técnicos são interpretados através dos mesmos procedimentos hermenêuticos usados na interpretação de textos, trabalhos artísticos e ações sociais (Ricoeur, 1979). No entanto, este trabalho torna-se dificultoso quando os códigos tornam-se objetos altamente cobiçados e geradores de disputas sociais. Neste caso, interesses de larga escala e visões ideológicas são fixados no desenho técnico. É isto que explica o "isomorfismo, a congruência formal entre a lógica técnica do instrumento e a lógica social, disseminado dentro do mesmo" (Bidou, et. al., 1988: 18). A investigação destas congruências oferece um caminho para explicar o impacto do amplo meio sócio-cultural sobre os mecanismos de fechamento, uma área ainda relativamente pouca desenvolvida nos estudos sobre a tecnologia (Pinch and Bijker, 1984: 409). O vídeotexto é um caso notadamente relevante.

Uma utopia tecnocrática

A questão, neste momento, está relacionada com a natureza da chamada sociedade pós-industrial. A era da "informação " foi concebida como sendo o momento de uma sociedade tornada científica, uma visão que legitimava as ambições tecnocráticas de estados e corporações. As suposições racionalistas sobre a natureza humana e a sociedade que estão à base desta fantasia tem sido familiares por um século ou mais, como sendo um tipo de utopia positivista.

Seus traços principais são conhecidos. O pensamento técnico-científico é capaz de resolver todos os maiores problemas atuais. A política é apenas uma generalização dos mecanismos consensuais de pesquisa e desenvolvimento. Os indivíduos estão integrados a uma determinada  ordem social não pela repressão, mas através de uma concordância racional. Sua felicidade é alcançada através da dominação técnica do meio ambiente natural e pessoal. Poder, liberdade e felicidade todos são, desta forma, baseados no conhecimento.

Esta visão global serve de suporte para a generalização dos códigos e práticas associados com a engenharia e a gestão. Ninguém precisa partilhar um explícita crença utópica para acreditar que as abordagens profissisonais destas disciplinas podem agora se evadir do seu confinamento dentro das hierarquias organizacionais particulares ou artefatos técnicos, para se tornarem a lógica do sistema social, como um todo. A propagação para a arena política das idéias da engenharia social, baseadas em análise de sistemas, teoria de escolha racional, análises de risco e benefícios etc. é testemunha deste novo avanço da racionalização da sociedade. Não sem surpresa, suposições similares influenciaram os patrocinadores do Teletel, dado o culto à engenharia dentro da burocracia francesa.

Em um plano menor, tais suposições são operacionalizadas na tradicional interface do computador, com seus extensos menus, cheios de referentes de uma única palavra e dispostos em hierarquias bem organizadas. O espaço lógico, que consiste de alternativas tão claramente definidas, correlaciona-se com o “usuário” individual, empenhado em uma estratégia pessoal de maximização. Projetado sobre a sociedade como um todo, na forma de um serviço de informação pública, esta abordagem não deixa de implicar em uma certa visão de mundo.

Neste mundo, a questão da "liberdade” é a melhor ou pior escolha que se faz a partir de opções pré-selecionadas e estabelecidas por uma instância universal, tal como uma autoridade tecnocrática, que define tais opções e mantem a base de dados. Esta instância conclama ser um meio totalmente neutro e que seu poder tem legitimidade precisamente por causa da sua transparência: seus dados são acurados e lógicamente classificados. Mas, no entanto, não deixa de ser um poder (Feenberg, 1991).

Os indivíduos são aprisionados em um sistema como citado – seja  no seu trabalho ou em  em suas interações com instituições governamentais, médicas e educacionais. O vídeotexto fortalece este universo tecnocrático. De fato, alguns dos serviços de utilidade, que tiveram maior sucesso no Teletel, oferecem informações sobre questões burocráticas, diagnósticos e aconselhamento sobre empregos ou resultados de exames. Estes serviços se aproveitam  do "efeito ansiedade" da vida em uma sociedade racional: a individualidade enquanto um problema pessoal relacionado à responsabilidade do seu próprio comportamento e o seu bem estar (Bidou, et. al., 1988: 71). Mas o papel da ansiedade revela o lado negro desta utopia. Um sistema o qual, visto de cima, aparenta ser o mais alto nível da racionalidade social, surge como um verdadeiro pesadelo, de confusa complexidade e arbitrariedade, quando visto de baixo para cima. Este é o “Palácio de Cristal” tão temido e odiado no “subterrâneo”[9], de  Dostoievsky.

O sujeito espectral

Existe uma outra inteira dimensão na experiência do dia-a-dia nas sociedades pós-industriais mascaradas por estas fantasias utópicas. Na medida em que a lacuna entre o indivíduo e o papel social se amplia e os indivíduos são cada vêz mais presos à "massa", a vida social é reorganizada em torno de novos tipos de interação impessoal. O indivíduo passa facilmente entre papéis e não se identifica completamente com nenhum deles, entrando e saindo diariamente de vários grupos de indivíduos, sem pertencer completamente à nenhuma comunidade. A solidão do "grupo solitário" consiste em uma grande quantidade de encontros triviais e ambíguos. O anonimato desempenha um papel central nesta nova experiência social e é a causa de fantasias sexuais e violência que são representadas na cultura de massa e, em menor extensão, tornada realidade nas vidas individuais.

O Teletel foi envolvido em uma disputa sobre qual tipo de experiência moderna seria projetada tecnologicamente, através da computação doméstica. A definição de interatividade em termos de um código tecno-racional encontrou uma imediata resistência dos “usuários” que redirecionaram a ênfase bem longe da simples distribuição de informação, em direção à comunicação humana anônima e encontros fantasiosos.

Assim como o vídeotexto permite que um indivíduo envie, anônimamente, uma questão personalizada a uma agência de empregos ou à burocracia governamental, da mesma forma as relações com textos eróticos, até então, inarticuladas, podem agora obter personalidade e mesmo reciprocidade, graças ao link telefônico fornecido pelo Minitel. A privacidade do lar assume  funções que eram anteriormente delegadas aos espaços públicos, como bares e clubes, mas com uma importante mudança:  a tela vazia serve não apenas para conectar mas, também, para esconder as identidades dos interlocutores.

Assim como os jornais  "personalizados", os indivíduos têm a impressão que o  Minitel fornece, aos mesmos, completo controle de todos gestos e sinais emitidos, diferentemente aos arriscados encontros face-a-face, onde o controle é, no mínimo, incerto. Controles mais avançados, através de apresentações individuais escritas, tornam possível jogos de identidade bem elaborados. "Ao lugar da identidade ter o status de algo fixado de início (a partir do qual uma comunicação usualmente começa), torna-se um jogo, um produto da comunicação" (Baltz, 1984: 185).

A experiência da comunicação através de  pseudônimos traz à mente a dupla definição    Erving Goffman (1982: 31) do sujeito enquanto uma "imagem" ou identidade, e como um “objeto sagrado", do qual são esperadas devidas considerações: "o sujeito como sendo uma imagem criada a partir de expressivas implicações de um fluxo completo de eventos em um determinado tipo de engajamento, e o sujeito enquanto um tipo de protagonista em um jogo ritualístico que enfrenta o mesmo de  forma digna ou não, diplomaticamente ou não, a partir das contigências do julgamento da situação." Aumentando o controle dos indivíduos sobre a imagem e ao mesmo tempo diminuindo o risco de embaraçamento, o sistema de troca de mensagens altera a relação das duas dimensões da individualidade e abre um novo espaço social.

A relativa desacralização do sujeito enfraquece o controle social. É difícil que haja pressão social por parte de grupos em cima de um determinado indivíduo, quando o mesmo não pode ver o franzir de pessoas  irritadas. A CMC, desta forma, faz crescer a sensação de liberdade pessoal e individualismo, reduzindo o engajamento  "existential"  do sujeito em suas comunicações. “Excitamento” - a expressão de emoções não censuradas via on-line  - é considerado como tendo uma conseqüência negativa neste sentimento de liberdade. Mas o sentido de realidade alterado do outro pode também aumentar a carga erótica da comunicação (Bidou, et. al., 1988: 33).

Marc Guillaume (1982: 23) introduziu o conceito de "espectralidade" para descrever estas novas formas de interação entre indivíduos que estão reduzidos ao anonimato na vida social moderna mas que, no entanto, tem sucesso usando este mesmo anonimato para abrigar e assegurar as suas identidades. " As teletecnologias, enquanto uma esfera cultural, respondem para uma massiva e não confessado desejo de escapar parcialmente e momentâneamente dos constrangimentos simbólicos que persistem na sociedade moderna, a partir da sua  funcionalidade totalitária. Livrar-se, não da forma ainda ritualizada daqueles breves períodos de celebração ou da desordem permitida pelas sociedades tradicionais, mas à conveniência do sujeito, que paga por esta liberdade através de uma perda. Torna-se um espectro...no sentido triplo do termo: ele desaparece com a finalidade de vagar livremente como um fantasma em uma ordem simbólica que se tornou transparente para ele"

Uma imagem bem diferente de um avanço social emerge a partir desta análise, não a generalização dos elementos tecnocráticos no dia-a-dia, mas a lógica comutativa do sistema telefônico. Para compreender totalmente esta alternativa, é mais uma vez importante olhar para as metáforas técnicas que invadem o discurso social. As  redes nacionais de computadores são baseadas no padrão X25, que permite computadores hospedeiros prestar serviços para “clientes” distantes, através das linhas telefônicas. A rede X25 diferencia em estrutura da rede regular de telefonia, pelo fato de que a mesma não é primariamente designada para conectar todos os computadores no sistema entre si mas, ao contrário, permitir que conjunto de usuários partilhem do tempo de determinados hospedeiros. Normalmente, os usuários não estão em comunicação nem os hospedeiros conectados.

O Teletel foi concebido como sendo uma rede comum de computadores, no qual o indivíduo é um ponto na interação em forma de estrela, hierarquicamente estruturada a partir do seu centro, o computador hospedeiro. Mas, no funcionamento real do sistema, os indivíduos se tornam agentes de  uma interconexão horizontal geral (Guillaume, 1989: 177ff). Esta troca simboliza a emergência da "rede" como sendo uma alternativa para organizações formais e a comunidade tradicional. Na realidade, as práticas dos encontros pessoais são radicalmente simplificadas e reduzidas a protocolos de conexão técnica. Consequentemente, a facilidade de passagem de um contato social para outro é bastante ampliada, mais uma vez seguindo-se a lógica da tecnologia da rede, que suporta comutações cada vêz mais rápidas. O sistema de mensagem "Pink" é apenas um sintoma desta transformação, marcando um processo gradual de mudança social da sociedade como um todo.

Uma completa retórica de liberação acompanha o colapso generalizado dos últimos rituais,  bloqueando os esforços dos indivíduos que ainda buscam proteger a figura do tradicional sujeito. A vida pessoal torna-se um caso de gerenciamento de rede, enquanto a família e outras estruturas estáveis entram em  colapso. Os novos indivíduos são descritos como flexíveis, adaptáveis e capazes de representar suas performances pessoais em cenários diversos e em constante mudança, de um dia para outro. A rede multiplica o poder dos seus membros, reunindo-os a partir de contratos sociais temporários ao longo de caminhos com eixos comuns e confiança mútua. O resultado é uma atomização "pós-moderna" da sociedade em redes flexíveis de jogos de linguagem" (Lyotard, 1979: 34).

A CMC altera profundamente as coordenadas espaço-temporais do dia-a-dia, acelerando os novos indivíduos para além da velocidade do papel que ainda é a velocidade máxima atingida pelas lentas corporações e os dinossauros políticos. Eles obtêm, desta forma, uma liberação relativa: se não se consegue escapar do pesadelo pós-industrial da administração total, no mínimo, multiplicam o número de conexões e contatos, de forma que seus pontos de intersecção tornam-se uma rica e gratificante escolha. Ser é conectar.

A luta sobre a definição da era pós-industrial apenas começou.

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MINITEL

Como foi visto, o compromisso peculiar que fez do Teletel um verdadeiro sucesso foi a resultante destas forças em tensão. Eu  descobri, através de pesquisas e no plano macro social, as condições deste compromisso na definição social do vídeotexto na França, mas seus padrões também podem ser identificados no código técnico da interface do sistema.

Conectando o Interior Burguês

O  Minitel é um sensitivo index de tais tensões. Para o sistema ganhar plena aceitação, milhões de pessoas comuns tinham que concordar com a colocação de um terminal na sua residência. Os encarregados do planejamento do Minitel cuidadosamente levaram em conta os "fatores sociais", assim como os fatores humanos que poderiam estar envolvidos na persuasão destas mesmas pessoas (Feenberg, 1989b: 29). Os mesmos temiam uma rejeição pública de qualquer coisa que se assemelhasse um computador, máquina de escrever ou outro aparato profissional e trabalharam conscientemente com as limitações impostas pelo contexto social do meio doméstico.

Sistemas de vídeotexto anteriores tinham utilizado terminais dedicados mais sofisticados  e mais caros, adaptadores de televisão ou computadores equipados com modems. Até então, fora a França, a CMC apenas tinha conseguido sucesso onde o sistema era baseado em computadores, mas a sua propagação foi confinada a uma subcultura hobbysta . No entanto, nenhuma orientação para o seu desenho, com a finalidade de distribuição pública geral, pode ser apreendida a partir destes hobbystas, que não se aborrecem pela aparência incongruente de um equipamento eletrônico de grande tamanho, seja no seu quarto ou na mesa de jantar.

De qualquer maneira, do ponto de vista funcional, o  Minitel não chega a ser um computador. É apenas um “dumb terminal"[10], isto é, umw tela de vídeo e um teclado com memória e capacidade de processamento mínimas e um modem built-in. Tais equipamentos estavam disponíveis a décadas, de início para que engenheiros pudessem se conectar sites remotos aos mainframes. Obviamente, desenhos adequados para tal propósito não iriam se qualificar como sendo uma atrativa decoração para interiores. A nova invasão tecnológica do espaço doméstico tinha que procurar, em algum outro lugar, os seus modelos.

Este é um problema de desenho com uma longa e interessante história. Sua pressuposição é a separação do público e privado, trabalho e lar. Esta separação começa, de acordo com Walter Benjamin, a partir da  “Monarquia de Julho”[11]:

Para um indivíduo, o seu espaço privado torna-se, pela primeira vez, antiético com relação ao local de trabalho. O primeiro é constituido pelo interior, o local de trabalho, o seu complemento. O indivíduo que enquadra o seu relacionamento com a realidade conforme as demandas do seu trabalho, precisa, ao menos ilusóriamente, que este espaço privado seja mantido (Benjamin, 1978: 154).

A história do desenho/decoração de interiores mostra a extensão na qual estas ilusões íntimas tem sido construídas por imagens provindas da esfera pública, através de um incessante e firme processo de invasão do espaço privado por atividades e artefatos públicos. Tudo, desde a iluminação a gás ao uso do cromo em móveis, tem sua existência determinada a partir do domínio público e, gradualmente, começa a penetrar nos lares (Forty, 1986: chap. 5). O telefone e a mídia eletrônica intensificam esta penetração mudando de maneira decisiva os limites entre a esfera pública e a privada.

O desaparecimento final do que Benjamin chamava de "interior burguês"  estava apenas  aguardando a generalização da interatividade. As novas tecnologias da comunicação prometem atenuar e talvez até mesmo dissolver a distinção entre o lar e a a esfera pública. Espera-se que o telework[12] e o telemarketing vão acabar transformando estes dois mundos em apenas um. "O lar não pode mais fingir em continuar a ser locus da vida privada, privilegiando relações não econômicas e autonomia frente ao mundo do comércio" (Marchand, 1984: 184).

O Minitel pode ser considerado como sendo uma ferramenta fundamental para realizar este processo de desterritorialização. Seus planejadores tentaram  "conotar" a sua aceitação como sendo uma melhoria do sistema telefônico ao lugar de um avanço do computador ou televisão, os dois outros modelos existentes (Giraud, 1984: 9). Disfarçado com sendo um complemento "inteligente” ao já familiar telefone, o Minitel pode ser considerado como sendo uma espécie de cavalo de Tróia para os códigos técnicos racionais.

É menor, muito menor do que um MacIntosh, com um teclado que pode ser levantado e travado, de forma a servir de tampa para a a tela do monitor. De início, foi equipado com um pequeno teclado alfabético para distinguí-lo claramente das máquinas datilográficas. Este teclado não agradou os usuários já familiares com o teclado das máquinas e nem aqueles sem qualquer experiência, e foi finalmente mudado por um modelo padrão. De qualquer maneira, a visão geral do Minitel permaneceu como sendo de um equipamento pouco prático (Marchand, 1987: 64; Norman, 1988: 147). O  mais importante é que o aparelho não tinha discos e drives de discos, a chave liga/desliga ficava na frente do aparelho, de fácil localização, e não havia nenhuma parafernália de cabos e fios na parte traseira do equipamento, mas apenas um fio telefônico.

O Minitel, tornado de uso domésto, adota um abordagem telefônica ao lugar de uma abordagem computacional para as presumíveis capacidades ténicas dos seus usuários. Os programas de computador, de forma geral, oferecem um imensa matriz de opções, e tentam oferecer uma balanço entre duas variáveis incompatíveis: facilidade e uso e potência da máquina. Além disso, com exceção do ambiente  Windows e Apple McIntosh, a maior parte dos programas tem interfaces tão diferentes que um aprendizado especial é necessário, a partir de cada nova aquisição.Qualquer um que já tenha usado um software comercial de comunicação, com diversas telas que se abrem para configurar mais de uma dezena de parâmetros obscuros, pode compreender o quanto o mesmo seria inapropriado para uso doméstico em geral. No começo dos anos 80, quando o Minitel foi criado, os softwares eram, na maioria,  muito mais difícil de serem usados do que atualmente. Os projetistas do Minitel, que conheciam a sua clientela muito bem, ofereceram um procedimento extremamente fácil para se fazer uma conexão: discar um número no telefone, ouvir o sinal de conexão e pressionar uma única tecla.

Outra auspiciosa adaptação resultou da criação das teclas de função. Foram desenvolvidas para operar o guia eletrônico de telefones. No início, houve alguma discussão quando foi proposto dar a estas teclas nomes muito específicos e adequados somente para um determinado  propósito como, por exemplo, “cidade”, “rua”, e assim por diante. Foi sabiamente decidido, ao contrário,  designar as teclas de função do Minitel com nomes gerais, tais como “guia”, “próxima tela”, “voltar”  etc, ao lugar de vinculá-las a algum tipo serviço qualquer (Marchand, 1987: 65). Como resultado,  o teclado estabelece um padrão e uma interface de usuário muito simples para todos provedores de serviço, algo que foi alcançado no mundo dos computadores pelo Windows e com o uso de ícones, mas apenas a partir de equipamentos muito mais complexos.

No entanto, o  desenho do  Minitel também serve de evidência para um ceticismo inicial com às aplicações relacionadas com comunicação do sistema: as teclas de função são definidas a partir de perguntas de orientação fornecidas na tela, ao se  tentar pesquisar nos bancos de dados e, o pequeno teclado, com teclas pegajosas e mal acabadas , é tão desajeitado que desafia as tentativas de digitação. Aqui, a França pagou o preço de confiar no modelo telefônico: as empresas fornecedoras habituais da PTT, sem  nenhum conhecimento do mercado de consumo de produtos eletrônico, forneceram um teclado de qualidade bem abaixo dos padrões internacionais correntes, mesmo se comparando aos das máquinas datilográficas mais baratas. É desnecessário dizer que as tentativas de  exportação de tal terminal foi muito difícil.

Redes ambivalentes

Com tais características, o Minitel é um objeto paradoxal. Seu disfarce telefônico, embora necessário para o seu sucesso no meio doméstico, introduziu ambiguidades na definição da telemática e incentivou aplicações na área de comunicações que não tinham sido previstas  pelos seus projetistas (Weckerlé, 1987: I, 14-15). Para eles, o Minitel permaneceria sempre com um terminal de computador para a simples coleta de dados. No entanto, o telefone doméstico, ao qual o  Minitel está ligado, não é na sua origem uma fonte de informações mas, antes, uma mídia social. A definição oficial técnica do sistema entra, desta forma, em contradição com as práticas telefônicas tradicionais que são estabelecidas, a partir do momento em que o mesmo é  instalado nas residências (Weckerlé, 1987: I, 26).

Apesar das suas imperfeições, uma vez que o Minitel não exclui completamente a possibilidade da comunicação humana, como acontece com muitos sistemas de vídeotexto, o mesmo pode ser desviado dos objetivos inicialmente pretendidos. Por exemplo, embora as teclas originais de função do Minitel não fossem apropriadas para um sistema de envio e recebimento de mensagens, as mesmas foram incorporadas em programas de mensagens da melhor maneira possível e os usuários adaptaram o precário teclado, configurando as suas teclas com um conjunto de símbolos on-line, ricos em gíria e inventivas abreviações. O Minitel tornou-se um equipamento para comunicação.

A paredes  de Paris foram logo cobertas com pôsteres anunciando serviços de mensagens. Um completa e nova iconografia do reiventado Minitel repôs o sóbrio modernismo da propaganda oficial da PTT . Nestes pôsteres, o equipamento não é mais  um simples terminal de computador, mas passa a ser associado a uma apelativa provocação sexual. Em algumas propagandas o Minitel anda, fala e gesticula. Seu teclado balança para cima e para baixo, torna-se uma boca e a tela, uma face. O silêncio de um equipamento telemático foi quebrado por uma estranha cacofonia.

Enfraquecendo os limites entre o privado e o público, o Minitel abriu uma via de duas mãos. Em uma direção, as residências se tornaram o locus de atividades que eram, até então, públicas, tais como consultas a horários de trens contas bancárias. Mas, na outra direção, a telemática desencadeou uma verdadeira tempestade de fantasias privadas de um público completamente insuspeito. O indivídou ainda precisa, de acôrdo com a frase de Benjamin, que o "interior seja mantido em suas ilusões". Mas, agora, estas ilusões assumem uma forma agressivamente erótica e são espalhadas através da rede.

A mudança técnica no Minitel, ocorrida por causa desta  mudança social é invisível mas, essencial. Tinha sido destinada para ser apenas um ponto para que o cliente se ligasse aos computadores hospedeiros, sem  nenhuma pretensão de ser utilizada em um sistema de trocas universal o qual, da mesma forma que a rede de telefonia, permite coneção direta de qualquer usuário com outro par. Além disso, à medida que imagem do Minitel ia mudando, a Telecom respondia, criando um serviço de mensagens universal, chamado Minicom  que logo vai oferecer serviços de correio eletrônico para todos aqueles que possuirem o Minitel. O  Minitel será, finalmente, completamente integrado à rede telefônica.

Curiosamente, aqueles que introduziram o telefone, passado mais de um século, tiveram uma batalha similar com os usuários sobre a definição do equipamento. O paralelo é instrutivo. Inicialmente, o telefone foi comparado ao telégrafo e proposto, inicialmente, como um suporte para o comércio. Houve uma forte resistência geral contra o uso social do telefone, com uma forte tendência de definí-lo apenas como um expressivo intrumento de negócios (Fischer, 1988a; Attali and Stourdze, 1977). Em oposição a esta identificação "masculina" do telefone, as mulheres, gradualmente, incorporam o mesmo no seu dia-a-dia, enquanto um instrumento social (Fischer, 1988b). Como lamentava um alto funcionário de uma companhia telefônica, em 1909:

O telefone está indo muito além da sua finalidade original e é um fato positivo de que uma grande porcentagem dos telefones atualmente em uso a partir de uma mensalidade fixa, seja usado mais para entretenimento, diversão, relações sociais e outras conveniências do que para as reais necessidades dos negócios e dos lares (Fischer, 1988a: 48).

Na França, nos momento iniciais, o uso social do telefone foi bastante relacionado a  conotações eróticas. Era bastante preocupante que estranhos pudessem adentrar, sem nenhum convite, em uma residência enquanto o marido ou o pai estavam fora, trabalhando. " Na imaginação dos franceses da Belle Époque, o telefone era um instrumento de sedução" (Bertho, 1981: 243). Tão preocupada estava a companhia telefônica em virtude das suas operadoras que as mesmas foram substituídas durante, o período noturno, por homens, presumivelmente impassíveis de cair em tentação (Bertho, 1981: 242-243).

Apesar deste início difícil, por volta dos anos 30 a sociabilidade tinha se tornado uma inegável realidade para o telefone, nos Estados Unidos.(Na França, a mudança demorou mais). Assim, o telefone é uma tecnologia que, como o vídeotexto, foi introduzida a partir de uma definição oficial que foi rejeitada por muitos usuários.Da mesma forma que o telefone, o Minitel também adquiriu novas e não esperadas conotações à medida em que se tornou um intrumento privilegiado para relacionamentos pessoais. Em ambos casos, o jogo mágico da presença e da ausência, da voz ou texto descorporificados, geram possibilidades sociais imprevistas que são, sem sombra de dúvida, inerentes à verdadeira natureza da comunicação mediada.

CONCLUSÃO

Na sua configuração final, o Teletel foi amplamente formatado pelas preferências dos usuários (Charon, 1987: 100). O quadro resultante é completamente diferente das expectativas iniciais. Quais são as lições deste resultado ? A imagem racionalista da era da informação não sobreviveu ao teste da experiência, sem alguma mudança. Hoje, o Teletel não é apenas um mercado de informações.  Juntamente com as aplicações esperadas, os usuários inventaram um nova forma de comunicação humana para se adequarem à necessidade dos jogos sociais e encontros pessoais, dentro de uma sociedade marcadamente impessoal e burocrática e que deu origem à ideologia pós-industrial. Assim procedendo, pessoas comuns rejeitaram as intenções dos planejadores e desenhistas e converteram um sistema, que supostamente tinha sido criado para servir como um recurso para conseguir informações, em um novo tipo de meio social.

O siginificado do vídeotexto foi irreversivelmente mudado por esta experiência. Mas, muito além dos momentos particulares deste exemplo, um  quadro mais abrangenter se apresenta. Em todos os casos, a dimensão humana da tecnologia da comunicação emerge gradualmente tão sómente a partir do background das assunções culturais daqueles que originaram a mesma e deram o seu  primeiro significado público através de códigos racionais. Este processo revela os limites do projeto tecnocrático do pós-industrialismo.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer aos meus primeiros guias que me conduziram através do labirinto telemático, Catherine Bertho, Jean-Marie Charon, Marc Guillaume, e Marie Marchand.

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                                                tradução:  Anthony T. Gonçalves

                                                            giulia96@terra.com.br



[1] FCC - Federal Communications Commission. Agência governamental americana encarregada da regulamentação as comunicações interestaduais e internacionais via rádio, televisão, fio, satélite e cabo nos Estados Unidos. (N.T.)

[2] No 15 de dezembro de 1982, começou a funcionar, no Brasil, o sistema de videotexto, sendo a Telecomunicações de São Paulo (Telesp), a pioneira. Devido aos custos altos ( a central ficava na capital paulista, e as demais cidades só tinham acesso por ligações interurbanas), o sistema não se popularizou no Brasil (N.T.)

[3] No seu auge, o sistema Prodigy atingiu 2.000.000  usuários. Foi vendido, em 1996 para um grupo mexicano. A Sears e a IBM perderam 750 milhões de dólares neste empreendimento. A causa principal deste fracasso, não foi a tecnologia empregada – considera de ponta, até hoje mas, sim, a incompetência dos seus executivos no seu gerenciamento. Em 1996, na época da sua venda, tinha perdido mais da metade dos seus usuários. Fonte: Source: Eric.  W. Pfeiffer, Forbes, May 5, 1998.  (N.T.)

[4] PTT : Postes, Télégraphes et Téléphones de la France. Serviço da administração pública francesa, encarregado do sistema postal, telegráfico e telefônico, a partir de 1889. Em 1988, iniciou-se o processo pelo qual a Direction Générale des Télécommunications, que era divisão do Ministère des Postes et Télécommunications tornou-se a  France Télécom, processo finalizado em 1991, empresa da  qual o  Estado possuia  51% de participação. Em 1998, o monopólio do Estado terminou.(N.T.)

[5] O termo técnico utilizado pelo prof. Feenberg para “rede” é “packet switching network” – rede de comutação de pacotes. No Brasil, o sistema RENPAC - Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes , da Embratel (estatal) implantado em 1985, foi o primeiro  serviço criado para o atendimento do  grande público, adotando utilizando uma tecnologia de ponta desenvolvida na França. (N.T.) 

[6] Subsidiária da France Télécom ,criada em 1978 com a finalidade de explorar e comercializar a rede nacional de transmissão de dados da  France Télécom. (N.T.)

[7] Pequena comunidade,  cerca de 10 km de Paris.

[8] Uma forma de baixa resolução de se representar uma imagem com a ajuda de quadrados elementares justapostos no interior de um retângulo , cada quadrado contendo um caractere alfabético ou um caractere semi-gráfico. Um caractere alfabético ou mosáico pode ser inscrito através de uma matriz de 8 colunas por 10 linhas, como é a norma francesa  do vídeotexto Antiope (N.T.)

[9] O prof. Feenberg se refere à obra “Notes from the Underground” do escritor russo. Existe a tradução para o português, desta obra:  Notas do Subterrâneo. Ed. Bertrand Brasil. (N.T.)

[10] Termo inglês utilizado nas Ciências da Computação para designar um terminal que é incapaz de processar dados . (N.T.)

[11] A “Monarquia de Julho” (1830-1848) foi estabelecida na França, com a ascensão ao trono do rei Louis- Philippe da França. Seu predecessor, Charles X, abdicou durante a Revolução de Julho que tinha sido iniciada por mercadores burgueses que se sentiram insultados por terem sido retirados da lista de votantes. Em 1848 foi estabeleicada, na França, a Segunda República. Louis-Phillipe procurou  governar a França não como “Rei da França” mas, “Rei dos Franceses”. Também foi cognominado  “Rei Cidadão”. (N.T.)

[12] Trabalho desenvolvido, na maior parte, a partir de computadores conectados com outros locais, especialmente a partir da residência ou um outro local remoto.